domingo, 28 de janeiro de 2007

Diálogo mudo da vida


Menino nascido na areia, meu menino. É rei. Quando ele era adolescente, recordo-me bem de o teu avô lhe dizer: "Dunas? Que vocábulo ridículo para aludires a um simples par de mamas!”. Fiquei triste por ele não compreender a sensibilidade do filho. Criei para o teu pai um mundo especial. Fechou-se num horizonte limitado pelo egoísmo de uma imunda paixão. Criada por mim. Paixão sim! Que uma mãe sente paixão pelos seus filhos, e é uma paixão egoísta! Foi necessário protegê-lo de teu avô… Inspirada pelo meu menino ainda com poucas semanas de vida, ditei algo bonito O diálogo mudo da vida, acredito que por isso ele cresceu no Labirinto de uma vida inexoravelmente adiada. Adiada é certo, de sentimentos torpes. Escuta…

«Vida, mãe da racionalidade, primórdio de todos os medos. Sorumbática estrela, luminoso negrume da humanidade. Término das divindades. Equinócio da perfeição. De vontades ilícitas e explicitas. Meretriz de luxo, desejada por todos, tocada por alguns apenas. Extasiada por poucos. Amada por nenhum. Sobriamente embriagada pela sensibilidade desfocada. Nela, há ainda uma esperança vestigial, como as patas das cobras. Desnuda de sentido, repleta de significado, adornada de dúvidas. Perfumada com mentiras. Maquilhada de ilusões, as alvas mãos da sabedoria cartesiana, que te conduzem a uma verdade inútil. Fútil. Humanidade que delirou com a consciência que aquela ave era realmente assexuada, como um esquálido demónio alado.

Que bonita e agradável imagem têm estes humanos de mim. Acéfalos.

“Deixa-me ser ignorante, uma folha em branco sem pena e tinta para a preencher de medonhos conceitos, a minha insignificante existência. Não me escondas na caverna, é escura de ti. Tu, dom que eu pedi, és uma maldição. Sou cobarde, tenho medo de sofrer, e não sei usar este dom. Leva-me daqui! Por favor!”

O celibato foi então traído vezes sem conta, num desespero inigualável, o celibato que impuseste à compreensão, e por isso, suplicas. Estúpido humano. Sentes prolepses catarticas do que por mim ainda não passou. Humanidade miserável. Rasteja, implora pela vida, quando obtida pede exílio, recusa o que generosamente ofertei. Execra a forma como me dei. Os dejectos de uma Paz hipnoticamente presente... Não sejas cruel! Nem contigo, nem comigo. Não me retires funções!

Como te atreves a renegar a dádiva? Sabes o esforço que foi, conferir-te parte de mim? Como me queres eliminar se faço parte de ti?

Audaz cobarde… apelidando-me de maldição… Ante um vazio de oportunidades e uma multidão de emoções o medo corrosivo é inevitável. Leviatã dos tiranos. Toneladas de inteligência e criatividade trocadas por reles cêntimos de comodidade.Fumegando de desassossego. Definhando pausadamente, esperando por um instante de atenção, uma réstia de humanismo iluminado, renascido por um qualquer demagogo barroco de fenomenologia dogmática.

Não te farei a vontade. Sou complexa, assustadora, mas não maléfica. Fonte das bases que precisas desenvolver, não o cessar de ti em mim.Gostas de simbologias? Eu, de simbolismos, sou instituída…Existem quatro elementos, todos diferentes e complementares entre si. Atenda no que te digo, excepções destas não se repetem. A água que refresca, lava a alma, purifica, é a reminiscência do espírito, infância escondida, amarrada a ideias quadrúpedes, de instintos predatórios primários. Aquece-a com o fogo, que, acalenta e alenta, coze a carne e congela o tacto, maiêutica da experiência. Descongela a alma com o ar quente, mas lembra-te, ele é poderoso e enigmático, quente e frio, dualidade nos trajes, o mesmo coração. Para filar essa dualidade agarra-te à terra, fecunda, fonte da maior segurança e dos coices mais imprevisíveis, origem do epicurismo que conduz ao sibilante estoicismo. Nutre-a com a água. Equilíbrio dinâmico. Pedaços de mim, que queres afogar no teu medo, adurir na tua dúvida, asfixiar com o nulo e por fim, enterrar, num local longe de ti. Para evitar remorsos. Não queres parir a consciência, receias as dores, os rasgos de alma que ela te causará. As insónias mal dormidas de pensamentos anestésicos.

Humanidade… território do medo, pátio do meu orgulho… Minha essência! Naquele espaço iluminado eram os diamantes que indicavam a entrada, mas nunca a saída… esse espaço a que chamam vida, espaço esse que sou eu. Vibrante… Coração inuit, primitivamente pintado a tons ebulioscópicos… tu!

Meu bom selvagem… um desapiedado vai mostrar-te a minha sensibilidade quando no escuro prenderes a minha cor, e no ruído reconheceres o meu silêncio. No nevoeiro me verás definida… sentirás o meu toque aquando da tua inércia em querer morder o meu odor…

Salgadas serão as alegrias e doces as mágoas. Aí poderei, confiante, afirmar que finalmente chegou…ao núcleo. O teu encontro com a verdade, a nossa unificação.Percebes tudo o que te revelei? Sei que sim.Coloca-te em frente ao espelho. É uma ordem, vai! Que vês?»

Percebes porque teu pai é aquele por quem Juno se apaixonou perdidamente? Minerva, tua irmã, aquela marota … Dentro de tudo o sempre foi liberal, acotovelou-se para gritar a esperança… Nasceu já adulta, menina criada e sabedora… Foi um parto interessante, sem dúvida. Honra te seja feita, a irrefutável similitude entre ti e Minerva é o facto de seres sua antagónica. Minerva é deusa da sabedoria e da guerra justa, tu jovem Marte, és o deus da guerra sangrenta. Quando Vénus esbarrigar Cúpido e Harmonia vais compreender o que agora li. Sim tens razão. Foi Minerva quem escreveu este conto, eu, tua avó Cíbele, apenas ofereci a inspiração, ditei ideias, não escrevi uma linha, foi Minerva quem articulou as minha soltas ideias… Nunca ignores a sabedoria de Minerva, nem a julgues fraca por ser uma das duas virgens… em Tróia algo aprenderás com a tua irmã… Dorme meu neto, a Mãe dos Deuses concede essa honra ao bravo filho de Júpiter…


«Este post foi elaborado por IRRITADINHA através de uma colaboração de bloguistas onde o BIGMAC e o RAFEIRO PERFUMADO forneceram as seguintes palavras: assexuada, liberal, Minerva, dunas, iluminado e celibato, horizonte, núcleo, labirinto, paz. DAMULARUSSA e OUTRO constituíram com as palavras as seguintes frases: “Fechou-se num horizonte limitado pelo egoísmo de uma imunda paixão.”, “Cresceu no Labirinto de uma vida inexoravelmente adiada”, “Os dejectos de uma Paz hipnoticamente presente......Não sejas cruel!”, “Honra te seja feita, a irrefutável similitude entre ti e Minerva é o facto de seres sua antagónica”, "Dunas? Que vocábulo ridículo para aludires a um simples par de mamas!” e “Delirou com a consciência que aquela ave era realmente assexuada”, “O celibato foi então traído vezes sem conta, num desespero inigualável”, “Dentro de tudo o sempre foi liberal, acotovelou-se para gritar a esperança”, “Naquele espaço iluminado eram os diamantes que indicavam a entrada, mas nunca a saída”, “Finalmente chegou…ao núcleo”.»

4 comentários:

damularussa disse...

Caro Outro

Está(mos) de parabens. A nossa carissima colega bloguista fez um texto merecedor de todos os elogios e mais um. O um, vamos usurpá-lo para nós (risos).

Um abraço

Anónimo disse...

Cara colega bloguista, é um texto como qualquer outro. Os parabéns e os elogios são repartidos pelos cinco.

beijo

Fallen Angel disse...

E eu parto, reparto, volto a dar e volto para ler... sempre. :-)

Burrita disse...

Pois...
Independentemente de acharem que não, e que vos fica muito bem, despertam sim um sentimento de inveja, mas SEMPRE no bom sentido e de uma forma claramente construtiva.
Parabéns a 5 (estrelas)!
Gosto muito de vos ler!
Fiquem bem!